top of page
My Pick:
Check back soon
Once posts are published, you’ll see them here.
Search By Tag:
No tags yet.
Stay In The Know:

Réplica a um amigo autor

Gosto muito de cartas. Com autorização dos destinatários, passarei a compartilhar algumas delas aqui neste espaço.

Boston, 3 de março de 2016.

Querido amigo,

Tive a oportunidade de ler seus textos e gostaria de agradecê-lo muito pela confiança e honra em seu interesse em minha opinião em relação ao seu trabalho. Penso que eu não seria capaz de criticar sua prosa, seus versos. Penso que as palavras podem afetar um trabalho de arte para sempre, e um trabalho real deve ser entendido da maneira sincera que foi realizado.

Sinto que a escrita, como as artes em geral, trata-se de um trabalho da alma. Em uma conversa recente, você mencionou em não acreditar em mais nada a título religioso, mas espero que acredite pelo menos no seu eu interior ou na existência dele. O trabalho de um poeta, de um escritor, é muito difícil, pois além de se deixar levar por determinado momento - livre de consciência, deve-se estar aberto a revelar-se por inteiro aos demais, se sua intenção for a posterior publicação. Mas aí que é que está um ponto importante. Pensamentos, desejos, todos revelam-se no papel e deixam uma marca própria, estilo único. Todas as dúvidas que pairam sobre nossas mentes, a incerteza do viver, das nossas vidas transitórias ficam expostos. É um trabalho quase feito solo pelo subconsciente, para que nossa consciência não atrapalhe pensando o que poderia ser melhor, comparando nossas idéias com os nossos ideais.

Você mencionou que enviou o trabalho para outras pessoas, e eu gostaria de perguntá-lo o por quê. Não precisa responder a mim, mas a si próprio. Tente entender o que você espera ou que tipo de criticismo realmente poderia contribuir. Não sei como eu ou qualquer um poderia ajudá-lo senão você mesmo. Afinal, sabemos que não é para ser um trabalho para fora ou de fora. É para ser de dentro para fora. Entre você, seu lápis e papel, ou teclado. Para alguns, o pincel. Para outros, o movimento do corpo, a eloquencia da fala. Para todos, uma fuga desse mundo tão insólito para preencher o vazio de nossas pequenas vidas sem rumo e matar suas angústias. Era disso que eu estava falando no outro dia quando o perguntei o que você estaria fazendo para saciar a alma, para diminuir essas angústias que frustram qualquer ser que procure sentido no que quer que estejamos fazendo aqui.

Da mesma maneira que você pode encontrar esse sentido naquele um segundo que respira fundo, sozinho no quarto enquanto somente seu café e cigarro podem quase entendê-lo, deixe-se livre de frente para a máquina de escrever. Não espere nada do que está por vir. Não se critique nem se compare antes mesmo de começar seu trabalho. Não busque a estilística dos seus ídolos, pois eles já estão dentro de você. Cada livro que você leu, cada filme que apreciou ou música que se deixou levar está dentro de ti. Não busque-as em consciência. Acho que a única maneira que eu realmente poderia ajudá-lo é relembrando disso.

Esqueça as opiniões de fora, qualquer criticismo alheio simplesmente mudará o texto pra sempre, e ele deixará de ser uma obra sincera.

Em determinados momentos, pude sentir a sinceridade da sua alma falando, mas, talvez remendada por diversas vezes por criticismo próprio em uma busca interminável pela perfeição. Como você gosta muito e tem certo entendimento sobre astrologia, acredito que seja seu lado do signo de câncer falando mais alto. A consciência sempre ativa, vendo e revendo o que poderia ter sido e não foi. Deixe-se levar.

Por que você começou a escrever? Lembro-me de um rapazinho com seus talvez dezesseis anos de idade, apaixonado pelas artes, pela música, pela escrita, e se via como amador. Decidiu profissionalizar-se. Mas com tantos novos termos, tantas novas regras e formas que, aquilo que talvez fosse por amor talvez agora cause ansiedade, pressão, semeie discórdia em seu próprio ser. Essas coisas que a sociedade tem mania de fazer com a gente. Sempre nos lembrando da nossa finitude. Aonde é que se escondeu esse tal bicho pequeno e peludo da saudade, que ele mesmo criou? Busque sentido pro finito e transitório, aquilo que faz a sua alma cantar.

Não se leve à sério, não espere muito de ti, não deixe que a consciência atrapalhe. Livre-se dos seus medos. E não escreva para ser lido. Não repense, só faça, simplesmente como faria um escritor amador: por amar.

Com carinho,

Juju

bottom of page