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Cativar


Eu tinha 5 anos quando ouvi aquela palavra pela primeira vez. Mamãe havia lido um de seus livros favoritos para mim, que acabou por vir a ser também um dos meus mais queridos até hoje.

A segunda vez em que a ouvi foi no ano seguinte, na aula de música da escola e a professora estava preparando a turma para uma apresentação para os pais. Estranhamente, nunca esqueci a letra. Acho interessante como sons e odores são tão marcantes durante a infância. Nos entregávamos ao momento de tal forma que nunca nos sai do coração.

Quando é lembrada, afirma-se de que foi esquecida. Contraditório. Talvez estejam certos no fato de que não seja lembrada o suficiente, disseminada como deveria ou realmente pesada pelo seu significado. Os seres humanos gostam muito de sentirem-se exclusivos em seus pensamentos, contradizendo a própria acepção da palavra que estão valorizando, quando estão.

A canção que me marcou, ensinou-me bem o seu sentido: cativar é amar.

Comumente nos encontramos no meio de muitos e sentimo-nos sós. Mas o amor tem inúmeras maneiras de manifestar-se, e uma delas é através do cuidado, do carinho. Dessa maneira, o que fazia parte de um todo, torna-se único e especial para o cativado.

A nova casa, torna-se lar. Um animal entre tantos outros, torna-se como filho. Um ser humano, entre outros mil, torna-se um amigo, confidente, companheiro. E mesmo com uma possível separação física, o laço criado não se desfaz e completamente independe de localização geográfica. É uma marca que se faz no coração.

Uma sábia raposa, de orelhas longas e pontudas, disse a um príncepezinho que este tornaria-se eternamente responsável por aquilo que cativaria. Como ela estava certa! A dor da separação física se faz, porque deixamos um pouquinho de nós, e carregamos, marcado em nossos corações um pouquinho do outro. Dói um pouco perder um pedaço de si. Qualquer um que já cortou o dedo ou teve que dizer adeus em algum momento sabe bem do que estou falando.

Viver não significa respirar. Talvez, quando tratamos de seres humanos em matéria de direito, sim, mas qualquer um que seja ou já tenha sido criança sabe que estar vivo é muito mais do que uma simples inspiração. Sentir o momento é o que nos faz viver. Estar presente, se entregar, ficar vulnerável e deixar ali um pedaço de si. As crianças sabem disso. Pense nas suas memórias mais marcantes, sejam estas boas ou ruins, e perceba o quão envolvido com o momento presente estava naquele determinado instante.

Uma criança não deseja uma vida de expirações. A sua criança não desejava. Inspirava-se, e muito. Arriscava-se todos os dias ao novo, caía e machucava-se, levantava, corria, gritava de alegria (sendo, muitas vezes, reprimida pelos adultos), fazia novos amigos, provava novos sabores e explorava novos ambientes sem o menor medo. O presente era o mais importante, o futuro também (quem nunca ansiou pela chegada do aniversário?). O passado estava para trás, além de marcado no coração. Queríamos crescer, ser gente grande, aprender tudo o que poderíamos, aproveitando o máximo que pudesse, até nos tornamos donos do nosso nariz.

Conseguimos. Crescemos e somos donos do nosso nariz. Passamos por momentos tão doloridos que não optamos por não nos deixarmos afetar tanto. Respiramos.

Muitos perderam suas crianças pelo caminho. Mantendo suas crianças ou não, a maioria sente-se só em algum nível. Ou porque sente falta do seu cândido eu, ou porque trouxe-o consigo, e ele não tem ninguém para brincar. Inspira. Inspire-se. Cativa. Deixe-se cativar. Se estamos todos sós, pelo menos nisto estamos juntos.

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