Primavera

Era hora de mudar. Acordou indisposta como costumeiro, e decidiu-se que deveria tentar tomar as rédeas da sua vida mais uma vez. Tentou organizar pensamentos em um papel, sem êxito. Malograda, vagou de um cômodo a outro em seu pequeno apartamento, como quem buscava respostas. Escolheu sua lista de músicas favorita para aquele momento. Tomou banho como quem lavava a alma. De olhos fechados, com a face voltada para a nascente, imaginou-se em uma cachoeira, deixando com que cada gota que escorria do seu corpo levasse as impurezas que embaraçavam sua clareza. Já seca, seguiu e pôs-se próxima à janela, que permitia um franzino facho de luz iluminar seu quarto. Sentiu-o tocar sua tez. Vestiu-se em cores pela primeira vez em tempos. Enquanto secava os cabelos, ouvia uma música de Sidney Bechet em seus pensamentos. Observou um pouco o céu azul pastel, fechou os olhos, segurou levemente as pontas de seu longo vestido e pôs-se a dançar. De início seus pés permaneciam presos ao chão, enquanto seus quadris balançavam suavemente de um lado para o outro, mas levada pelo som, cada vez mais audível, entregou-se ao momento e pôs-se a girar. Girava de olhos fechados, próxima à janela do canto de seu quarto, sob o feixe de luz, captando toda a energia que lhe era presenteada. Sentiu-se a brotar. Sentiu a primavera chegar. Era tempo de renascer.

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